26 de agosto de 2009

Relato da entrevista

Hoje, depois de 3 meses e 8 dias, eu (Rosane) resolvi deixar a preguiça de lado e contar como foi nossa entrevista para obtenção do CSQ.

Quando recebi o e-mail da convocação quase tive um troço, pois não me achava preparada. Meu francês estava fraco e eu não sabia p*** nenhuma sobre o Québec. Passei uma semana com dor no estômago... não conseguia pensar em outra coisa. A minha responsabilidade naquela hora seria grande; seria o momento mais decisivo da minha vida. Era dali a dois meses e eu ainda não tinha nada preparado!

Bom, comecei a pesquisar sobre o Québec, Montréal e a validação do meu diploma. Fazia isso durante umas duas horas por dia. Enquanto isso, já ia treinando o meu francês. O Giovani pesquisava sobre em que bairros morar em Montréal, orçamento, etc. Também nos encontrávamos com amigos que estão no mesmo processo para treinar o francês e trocar informações sobre o país e a província. Eles também me tranqüilizavam (a reforma ortográfica não entra nesse blog, ok?) sobre a entrevista. Mas o pânico só aumentava...

Enfim, chegou a hora.

A entrevista seria em uma sexta, pela manhã. Na quinta eu trabalhei de manhã e de tarde, até as 17hs. Passei em casa só pra pegar as coisas, que já estavam arrumadas, e fomos pro aeroporto (nosso vôo saía por volta das 20hs). Em SP, ficamos no hotel Intercity Berrini, que fica a menos de 1km do escritório do Québec. Achamos mais seguro dormir lá ao invés de pegar algum vôo no mesmo dia de manhã, pois vai que dá algum atraso no vôo. E ainda tem o trânsito de São Paulo... Durante a noite, no hotel, fiquei lendo alguns papéis que eu ainda não tinha tido tempo de ler (sobre a minha profissão no Canadá) e relendo dados sobre o Québec. E o Giovani ficava me enchendo o saco (e até tirando sarro da minha cara, veja lá se isso é hora), me perguntando 500 vezes “Pourquoi Le Québec?” e “Pourquoi vous voulez sortir le Brésil?”, que eram as perguntas que tinham as respostas mais ensaiadas. Bom, eu tinha certeza que o entrevistador ia me fazer as seguintes perguntas:

1) O que vocês sabem sobre o Québec?
2) Por que o Québec?
3) Por que vocês aplicaram pelo processo federal dizendo que iam pra Toronto e agora querem ir pra Montréal?

Essa última pergunta me arrepiava, porque eu não poderia responder “Ah, porque o processo federal não deu certo e essa é a nossa única chance de sair do país.” Eu tinha toda uma justificativa preparada, sobre as indústrias farmacêuticas, a qualidade de vida, etc... mas não sabia se ia convencer.

Acho que a tranqüilidade do Giovani acabou passando pra mim (ou foram os florais da minha mãe) e eu dormi bem naquela noite. Na manhã seguinte, nos vestimos, tomamos café, voltamos pro quarto, nos arrumamos e ficamos simulando (de novo) as perguntas um para o outro e procurando no dicionário algumas palavras que poderíamos usar. O Giovani estava parado no francês há um ano e meio, mas ainda conseguia falar um pouco.

Pegamos um táxi e fomos ao escritório. Chegamos lá quase uma hora antes. Sentamos nas poltronas de couro e ficamos esperando... Ai, que frio na barriga!

Dali a pouco aparece um homem magro, meio baixo, de cavanhaque e cara de sério falando os nossos nomes. Acompanhamos ele até a sala e nos sentamos. Aí ele se apresentou: Monsieur Carl Teixeira (eu não entendi o nome dele e fiquei mais nervosa ainda, mas não falei nada). Explicou para que era a entrevista, etc, etc... Daí perguntou se eu o entendia bem e eu disse que sim, que eu não falava muito bem porque meu nível de francês era intermediário, mas que eu conseguia entender o que ele falava (meia-verdade).

Bom, adivinhem qual foi a primeira pergunta: “Por que vocês aplicaram pelo processo federal dizendo que iam pra Toronto e agora querem ir pra Montréal?” Pensei “Putz, de primeira!!!” Aí contei que a idéia inicial era mesmo ir pra Montréal, por que é lá que ficam as indústrias farmacêuticas, mas como tenho uma irmã que mora em Toronto, a intenção era passar algum tempo com ela, já que assim a adaptação ao novo país seria mais fácil, e posteriormente mudar para Montréal. Ele me perguntou o que minha irmã achava de eu ir pra Montréal e eu disse que ela gostava da idéia, porque já tinha ido pra lá a trabalho e achava uma boa opção pra viver, além de ser relativamente perto de onde ela mora. Ele se convenceu.

Ele foi pedindo nossos documentos, diplomas, etc., checando no formulário que havíamos enviado quando demos entrada no processo e fazendo anotações no computador. Todos os dados ele nos perguntava, não sei se para verificar a veracidade ou se houve alguma alteração. Me perguntou se meu sobrenome era alemão e como se pronunciava; perguntou se a universidade do Giovani era a mesma da minha; o que eu fazia na farmácia onde trabalho e qual o medicamento mais vendido; comentou que o Giovani já tinha trabalhado em diversos empregos e perguntou o que era Banana Records (era uma loja de CDs aqui de Porto Alegre, acho que nem existe mais); perguntou o que o Giovani fazia no trabalho atual dele, o que ele pensava ser o principal problema do trânsito em Porto Alegre e aí conversamos um pouco sobre ter um carro, usar o transporte público, etc. Contando assim até parece que somos fluentes em francês! Na verdade não sei como falamos tudo isso, acho que o nervosismo acionou alguma área do nosso cérebro que estimula a linguagem... De vez em quando dava umas travadas, e o Giovani uma hora largou um “bastant”. O Carl Teixeira não entendeu, mas o Giovani se deu conta a tempo de corrigir: “beaucoup!!!”. Hehehe

Ele nos falou sobre as nossas profissões, que eram regulamentadas, que o governo não se responsabilizava sobre a validação dos nossos diplomas, que podia custar caro e levar anos e que havíamos assinado um formulário atestando estarmos cientes de tudo isso. Nada que já não soubéssemos de antemão. Então me perguntou se eu falava inglês e me pediu pra falar, em inglês, sobre ofertas de emprego que eu tivesse pesquisado. Daí perguntei se ele queria saber dos empregos a longo ou a curto prazo e ele disse que tanto faz. Puxei as ofertas de emprego como técnica em farmácia e expliquei que eu já havia entrado em contato com o conselho de Farmácia do Québec e eles disseram para eu olhar o site da Associação de Técnicos em Farmácia, e que lá dizia que não é necessário ter qualquer tipo de validação ou autorização pra trabalhar de técnica no Québec. Por isso iria procurar emprego nessa área quando chegasse lá, antes de trabalhar como farmacêutica. Ele olhou as ofertas de emprego, perguntou se eu sabia nomes de farmácias lá e eu disse dois que eu lembrava. Já estava preparada para puxar as ofertas de emprego como vendedora-de-qualquer-coisa, esperando que ele fosse perguntar “Tá, e se isso não der certo, o que você vai fazer?”, mas ele não perguntou. Fiquei decepcionada com o meu inglês, que era melhor que o meu francês, mas na hora eu travei e simplesmente não conseguia pensar em inglês! Acho que a transição do francês pro inglês fez dar curto! Depois falei que o meu inglês era melhor, que eu estava nervosa.

Ele perguntou pro Giovani, em francês, o que ele ia fazer lá e quando ele começou a responder eu corrigi alguma coisa do francês que ele falou errado e o Mr. Teixeira me mandou calar a boca, educadamente, claro. Disse pra eu não falar, que queria ouvir o Giovani falando. Ele mostrou algumas ofertas na área de trânsito e transporte (basicamente a prefeitura e a Societé de Transport de Montréal) e o Mr. Teixeira deu algumas dicas de como funcionavam os processos de seleção no serviço público.

Ele falou da questão da autonomia financeira durante os três primeiros meses e nem quis ver os extratos bancários que levamos. Bastava assinar a declaração de que possuímos os fundos para nos mantermos. Também não quis ver nada do nosso projeto de imigração, planilha de custos, ofertas de aluguéis por bairros e nem pude mostrar o mapinha que fizemos, com os principais pontos da cidade (logement temporaire, aéroport, bureau d’immigration, etc).

Então ele fez outra das perguntas que eu já esperava: “O que você sabe sobre o Québec”? Essa eu tinha decorado! E a resposta saiu tão decorada que foi até ridículo, mas tudo bem. Daí ele me perguntou se eu sabia alguma coisa sobre a história e eu falei alguma coisa que eu li num livro da Aliança Francesa. Daí ele me perguntou onde eu tinha lido aquilo, que não era bem assim, e falou, falou... e eu não entendi nada... mas fiquei concordando com a cabeça. E falei, toda orgulhosa, da “Révolution Silencieuse”. Ele me olhou de canto e disse “Tranquille.” E eu “É, isso.”


Aí ele falou de novo sobre várias coisas que a gente já sabia, da importância de saber bem a língua francesa pra validar o diploma e pra trabalhar no país, burocracias pra validação do diploma, etc. E eu e o Giovani ouvindo e nos perguntando “Mas e aí, deu ou não deu?!” Aí me dei conta de que a impressora estava funcionando e lembrei dos relatos de entrevista que eu li, que contavam que quando a impressora começava a funcionar era sinal de que os CSQs estavam sendo impressos!

Ele puxou o livrinho Apprendre Le Québec, botou os CSQs recém impressos em cima da mesa e assinou. Nos explicou o que fazer para dar entrada na parte federal do processo, nos aconselhou a nos informarmos sobre o outro processo (o federal, que não sabíamos se já havia sido encerrado ou não), pois ele achava que não dava pra ter dois processos abertos ao mesmo tempo e foi isso! Agradecemos, eu comentei de novo que eu falava melhor, mas estava muito nervosa e ele ainda comentou “Não acho teu francês ruim, se teu francês é ruim o que eu posso dizer sobre outras pessoas que eu entrevisto”, aí fiquei bem faceira. O Giovani, que ia cuidando da “logística” dos documentos, juntou todos eles, colocou de qualquer jeito dentro da nossa pastinha, colocou debaixo do braço, cumprimentamos, agradecemos de novo e fomos embora.

A ficha foi caindo aos poucos. Assim que eu saí do escritório, esperando o elevador, desabei a chorar. Voltamos bobos de contentes pra casa, sem acreditar de tão bom que foi! O Giovani ainda inventou de almoçar no restaurante do aeroporto (Congonhas). Pagamos uns 100 reais por uma comidinha bem meia-boca, mas o Giovani disse “azar, temos um CSQ”.

Achei nossa entrevista bem atípica. Muitas das coisas que eles costumam perguntar não nos foram perguntadas. Preparamos um dossier bem recheado, com vários detalhes, justificativas e etc., mas ele não olhou nem metade. Falou um monte com o Giovani, que era o acompanhante (quase tanto quanto comigo), e, pelos relatos que eu li na internet, eles só perguntavam uma que outra coisa pro acompanhante. Não disse a famosa frase “Bienvenus au Québec”. Aliás, em momento algum ele falou diretamente o resultado da entrevista, como se já fosse óbvio. E, por ser o Mr. Teixeira, pelos relatos que eu andei lendo sobre suas entrevistas, ele até que foi bem simpático!

Enfim, acho que fomos chamados para esta entrevista por 3 motivos:
1) Questionar o porquê de eu ter mudado de idéia com relação à cidade para a qual queria ir e ter certeza de que iria pra lá mesmo;
2) Confirmar o nosso nível de francês e o meu nível de inglês, já que não mandamos nenhuma prova oficial para comprovar nossos conhecimentos;
3) Ter certeza de que sabíamos sobre a validação dos nossos diplomas e nos aconselhar.

Temos um casal de amigos que não foram chamados para entrevista. Acreditamos ser porque a profissão deles não precisa ser validada e está em grande demanda e também por eles terem feito o TCF Québec, tirado boas notas e enviado junto com a documentação inicial. Claro, os outros quesitos, como nível de escolaridade e experiência profissional também contam.

Foi longo esse meu relato! Mas quem quer embarcar nessa fria tem que ler, ler, ler, ler, ler, ler, ler, ler, ler...